AOJUS/DF prepara medidas contra desvio de função dos Oficiais de Justiça no STM
Na tarde desta sexta-feira (23/10/2015), o Presidente da AOJUS/DF, Gerardo Lima, se reuniu com os Oficiais de Justiça do STM (associados da AOJUS/DF) e com o nosso advogado, Dr. Rudi Cassel, para analisar as medidas cabíveis contra o desvio de função que está sendo praticado no âmbito do Superior Tribunal Militar. Em quase duas horas de reunião, foram relatadas diversas situações em que os Oficiais de Justiça estão sendo obrigados a desempenhar atribuições diversas das previstas legalmente para o cargo, seja por intermédio de ato normativo interno (como, por exemplo, a Portaria nº 27/2015, editada pela 1ª Auditoria da 11ª CJM), seja por ordens diretas, escritas ou verbais.
Com efeito, nos últimos anos se constatou na Justiça Castrense a reiteração de determinação aos Oficiais de Justiça do cumprimento de atribuições completamente alheias ao cargo, tais como: serviços cartorários diversos; cumprimento de horário de expediente no cartório; expedição de telegramas; publicação no Diário de Justiça Eletrônico; investigação de informações ausentes nos mandados, como endereço completo das partes, à guisa de ilustração; acompanhamento de partes e advogados para extração de cópias dos processos em copiadoras; juntada de mandados; fiscalização de contratos administrativos; verificação de presença dos intimados/requisitados para a audiência, por meio de ligações; e realização de licitação, na modalidade do pregão eletrônico. Para além de serem forçados a cumprir tarefas desconexas com as atribuições do cargo, os Oficiais de Justiça do STM acabam sendo obrigados a cumprir uma segunda jornada de trabalho a fim de conseguir realizar as suas atividades externas de cumprimento de mandados.
A esse respeito, ressalte-se que no STM a indenização de transporte é paga mediante apresentação de relatório e se restringe aos dias de diligência externa efetiva. Ou seja, nos dias em que o Oficial de Justiça cumpre expediente interno, com demandas cartorárias, sofre abatimento da indenização de transporte. Desse modo, além de injusta, gera perplexidade essa redução da indenização de transporte quando se verifica que a 11ª Circunscrição Judiciária Militar (jurisdição em que os Oficiais do STM devem cumprir mandados) abrange o Distrito Federal e os Estados de Goiás e Tocantins, nos termos do art. 2º, “l”, da Lei nº 8.457/92 (que regula a Justiça Militar da União).
O desvio de função na Administração Pública se apresenta como medida incompatível com o respeito ao princípio da legalidade, bem como aos servidores. Não seria desnecessário observar que o art. 13 da Lei nº 8.112/90 estabelece que no termo de posse do servidor público devem constar as atribuições do cargo, que não poderão ser alteradas de forma unilateral por qualquer das partes. E no termo de posse assinado pelos servidores, bem como no edital do concurso público em que foram aprovados os Oficiais de Justiça do STM, apenas havia as atribuições legais do cargo, ou seja, aquelas relacionadas com o cumprimento de mandados (atividade externa).
Ademais, a Lei nº 11.416/2006 prevê para o Oficial de Justiça, em seu art. 4º, § 1º, o cumprimento de atribuições relacionadas com a execução de mandados e atos processuais de natureza externa, na forma estabelecida na legislação. A atividade do administrador público deve subserviência à legislação, razão pela qual nenhum ato normativo infralegal possui poder para criar novas atribuições a um cargo público. Aliás, este pode ser definido pelo complexo de responsabilidades acometidas a um servidor, e a possibilidade de alteração ao alvedrio do administrador desnaturaria a própria natureza do cargo.
Ressalte-se que o art. 81 da Lei nº 8.457/92 definiu de maneira específica as atribuições dos Oficiais de Justiça do STM, prevendo o desempenho de atividades de natureza externa. Nenhuma das atribuições previstas na legislação consiste em atos praticados dentro do cartório. Deveras, em síntese, o referido dispositivo legal estatui como responsabilidade dos Oficiais os seguintes deveres: avaliação de bens; realização de citações, intimações, notificações e convocações; certificação dos atos praticados; lavratura de autos, realização de prisões e outras diligências preventivas e assecuratórias; apregoação da abertura e encerramento das sessões do Conselho de Justiça; chamada das partes e testemunhas; realização da certidão de pregões e fixação de editais; e a prática de outros atos compatíveis com o cargo. Portanto, a imposição de tarefas cartorárias a um Oficial de Justiça não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio.
De outro lado, constata-se, com facilidade, que as atividades próprias dos Oficiais de Justiça vêm sendo obstadas de maneira indevida e com riscos de nulidade processual, em decorrência da violação das formalidades legais. O primeiro exemplo diz respeito à delegação para o Comandante da Organização Militar (OM) do poder de realizar citações de militar sob sua autoridade. Isso porque o art. 277 do Código de Processo Penal Militar deixa claro que a citação deve ser realizada por Oficial de Justiça e a providência a cargo do Comandante da OM seria apenas a apresentação do citando para ouvir a leitura do mandado e receber a contrafé, conforme a dicção do art. 280 do CPPM. Acrescente-se ainda a determinação de realização de intimações pelos Oficiais de Justiça por telefone ou por redes sociais sem previsão em lei.
O Oficial de Justiça apenas tem sido autorizado a cumprir o mandado de forma pessoal quando todas essas providências foram infrutíferas, entretanto sua indenização de transporte é descontada por não ter realizado o deslocamento. Observa-se ainda a determinação para que o Oficial de Justiça cumpra o maior número possível de mandados em um único dia, mesmo com distâncias desumanas, de maneira a ficar à disposição para atividades cartorárias e a receber indenização de transporte reduzida, uma vez que essa verba é paga de forma proporcional aos dias em que houve deslocamento.
O desvio de função na Administração Pública, ainda que se trate de prática comum, tem sido corretamente rechaçado pelos Tribunais, conforme evidencia a Súmula nº 378 do STJ que impõe o pagamento das diferenças salariais decorrentes no caso de desvio de função. Outrossim, o STF, em sua Súmula Vinculante nº 43 veda o provimento de cargo sem a prévia aprovação em concurso público daquela carreira, o que implica na proibição de atribuição de deveres não previstos no cargo para o qual o servidor prestou concurso público. Do mesmo modo, no MS 26.955 (Plenário, DJe 13/04/2011), de relatoria da Ministra Carmen Lúcia, a Suprema Corte assentou o entendimento de que o servidor possui o direito adquirido a exercer as atribuições do cargo para o qual se submeteu a concurso, bem como que portaria é meio impróprio para alterar atribuições de cargo público.
Diante de todas essas situações, iremos solicitar uma audiência com o Presidente do Superior Tribunal Militar para dar conhecimento do desvio de função dos Oficiais de Justiça que vem sendo praticado nas Auditorias Militares e requerer a vedação da referida prática. Nessa ocasião, apresentaremos memoriais relatando todos os fatos e a flagrante violação da legislação aplicável ao cargo de Oficial de Justiça. Esperamos a compreensão e sensibilidade do Presidente do STM para o problema, contudo, na hipótese de o desvio de função continuar a ser praticado, ingressaremos com as medidas administrativas e judiciais cabíveis.