GREVE PASSO A PASSO
A partir da nossa experiência na defesa jurídica de greves de servidores públicos, elaboramos este ?Greve passo a passo?, para resumir as principais questões jurídicas envolvidas no tema, pensando na deflagração e na condução do movimento paredista.[1]
Muito longe de esgotar o assunto, o objetivo é fornecer informações suficientes e necessárias para o exercício desse direito fundamental, instrumento responsável pela melhoria das condições de trabalho e remuneratórias, amplamente utilizado quando as formas ordinárias de negociação não produzem efeitos.
Recomendamos a leitura dos breves capítulos que integram o documento, para que os requisitos de legalidade da greve e o contexto em que ela se insere sejam do conhecimento daqueles que pretendem aderir ao movimento, servindo também como convite a que os servidores participem desta etapa decisiva para a conquista de um novo plano de carreira.
1. Sobre o direito de greve do servidor público
A greve, direito fundamental assegurado pelo artigo 9º da Constituição da República, para os servidores públicos está garantida pelo artigo 37, VII, a ser ?exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica?[2].
Conforme decisões do Supremo Tribunal Federal, de outubro de 2007, nos mandados de injunção 670, 708 e 712 (outubro de 2007), enquanto não regulamentada por lei específica, deve-se aplicar, por analogia, a Lei 7.783, de 1989 (Lei Geral de Greve), com as alterações e ressalvas promovidas pela Suprema Corte[3]. Por exemplo, todas as atividades públicas são consideradas essenciais, não podendo ocorrer a paralisação integral de nenhum serviço público (princípio da continuidade do serviço público).
2. Como deflagrar a paralisação por tempo determinado e a greve
Greve é expressão genérica da qual derivam as paralisações por tempo determinado e indeterminado. Embora o costume tenha separado a greve de paralisação por tempo determinado, associando greve à paralisação ?por tempo indeterminado?, é idêntico o tratamento jurídico destes dois fenômenos sociais, a ambos aplicando-se a disciplina legal e jurisprudencial de greve.
Da Lei 7.783, de 1989, bem como da experiência resultante de greves passadas, devem ser observados alguns critérios para evitar declaração de ilegalidade dessas paralisações:
(1)
Estabelecer e documentar as tentativas prévias de negociação, apresentando as reivindicações definidas pela categoria, registrando a comunicação com a administração pública em ofícios, requerimentos ou outros expedientes;
(2)
Convocar assembleia geral da categoria para definir a pauta de reivindicações e deliberar sobre a paralisação da prestação de serviços (que deverá ser parcial);
(3)
Comunicar os órgãos administração pública (ofício) e os usuários do serviço (edital) sobre o início da paralisação, bem com a pauta de reivindicações, conforme a decisão da assembleia, com antecedência mínima de 72 horas do início[4] (artigos 3º, parágrafo único, e 13 da Lei 7.783, de 1989);
(4)
Durante a greve, manter e documentar as tentativas de negociação mediante ofícios e manifestos dirigidos à administração pública;
(5)
Criar e manter um registro de frequência paralelo e usá-lo em todas as paralisações;
(6)
Manter um regime de atendimento das atividades judiciárias que envolvam restrição à liberdade (habeas corpus) e perecimento de direito (cautelares e provimentos liminares urgentes).
3. Servidor em estágio probatório pode aderir à greve
Os servidores em estágio probatório são destinatários dos direitos previstos para os demais servidores, entre eles o de greve.
A participação em movimento grevista não pode ser usada como razão para pontuação negativa na aquisição da efetividade definitiva no serviço público, por isso o servidor em estágio não pode ser avaliado negativamente por conta da adesão à parede coletiva.
Se houver prejuízo ao estágio probatório, a avaliação terá estabelecido penalidade pelo exercício de um direito constitucional e poderá ser anulada.
4. Frequência nos dias de paralisação: ponto paralelo
O sindicato deve providenciar um ?ponto paralelo?, que será preenchido e assinado diariamente pelos grevistas.
Essa lista de frequência servirá para demonstrar ? em eventual processo judicial ? que as faltas foram justificadas pelo exercício do direito constitucional de greve, criando obstáculo adicional ao desconto remuneratório dos dias da paralisação.
5. Serviços essenciais
Para a tese vencedora dos mandados de injunção 670, 708 e 712, os artigos 10 e 11 da Lei 7.783, de 1989,[5] que definem e disciplinam a manutenção dos serviços e atividades essenciais durante a greve, não se aplicariam ao caso de greve de servidores públicos, porque todo o serviço público é atividade essencial. Assim, no serviço público, a greve só é possível se assegurado a prestação dos serviços públicos[6].
Portanto, para evitar a declaração da ilegalidade da greve, deve-se observar a ?prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade? (artigo 11 da Lei 7.783, de 1989), ou seja: aqueles cuja ausência coloque ?em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população?.
Em termos práticos, derivados da experiência de movimentos paredistas anteriores, podem ser estabelecidos alguns parâmetros para maior segurança da greve:
(i)
garantir o trabalho de um servidor em cada unidade de lotação, para atender o serviço considerado essencial;
(ii)
nos processos criminais, deve ser mantida a tramitação dos procedimentos que dizem respeito à liberdade (habeas corpus e seus recursos);
(iii)
nos processos cíveis, deve ser mantida a tramitação dos procedimentos que visam evitar perecimento de direito.
De qualquer forma, o sindicato deve estar atento para a decisão do Supremo, que julgou procedente a Reclamação 6.568-SP, relator o Ministro Eros Grau.
Na oportunidade, o Estado de São Paulo protocolou a reclamação contra liminar deferida pela Justiça do Trabalho, acerca do direito de greve dos policiais civis paulistas. Invocou-se violação à competência da Justiça Comum Paulista para tratar da matéria, competência definida pelo STF na ADI 3395, que manteve os litígios de servidores estatutários contra o Poder Público na esfera da Justiça Comum (Estadual ou Federal).
Embora a matéria discutida fosse a manifesta incompetência da Justiça do Trabalho, o STF produziu preocupante argumentação paralela ao tema central do processo, afirmando que não são titulares do direito de greve os policiais civis, tampouco ?outros servidores públicos que desempenhem atividades relacionadas à manutenção da ordem pública, à administração da Justiça ? aí os integrados nas chamadas carreiras de Estado, que exercem atividades indelegáveis ? e à saúde pública?.
A inclusão de servidores que desempenham atividades relacionadas à administração da Justiça pode levar à conclusão equivocada de que aos servidores do Poder Judiciário foi vedada a greve.
No entanto, não é isso que se observa da análise detida dos votos que constituem o acórdão da Reclamação 6568/SP, visto que, por atividades de ?administração da Justiça? alguns ministros referiram (posição não contrariada pelos demais) |apenas os membros de Poder, detentores de parcela de soberania do Estado, caso dos magistrados.
6. Desconto dos dias de paralisação
Embora não seja comum nas greves de servidores do Poder Judiciário da União, não há como eliminar o risco de que a administração dos tribunais, em atitude nitidamente repressora, determine o desconto dos dias de greve para forçar o retorno ao trabalho.
Tais atos estariam respaldados nas decisões dos MI 670, 708 e 712, em que o Supremo Tribunal Federal entendeu que a deflagração de greve, corresponde à suspensão do contrato de trabalho, nos termos do artigo 7º da Lei 7.783, 1989, e em virtude disso, não haveria prestação de serviços e tampouco pagamento de salários.
Em recentes decisões sobre outras categorias, o Superior Tribunal de Justiça autorizou o desconto dos dias de adesão ao movimento, ainda que considere legítimo o exercício do direito de greve. Mudança notável do paradigma pode ser observada no mandado de segurança nº 15.272, da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça.
Para buscar uma contraposição a eventuais descontos e afastar essa pretensão, com perspectiva de êxito, é fundamental a adoção das providências formais indicadas nos tópicos anteriores, como documentação das negociações e registro de frequência dos dias de greve (ponto paralelo).
Na maior parte dos casos, como ocorreu nas greves anteriores dos servidores do Poder Judiciário, houve sucesso nas negociações pela compensação das ausências decorrentes da greve.
Logo, a possibilidade de descontos da remuneração dos grevistas não deve servir de desestímulo, pois a participação dos servidores é fundamental para a conquista de um plano de carreira digno da missão institucional da categoria.
Brasília, junho de 2011.
Rudi Meira Cassel
, OAB/DF 22.256
Cassel e Ruzzarin Advogados
[1]
Movimento paredista e parede coletiva são outras expressões usadas para designar a greve.
[2]
Constituição da República:
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º – A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. (?)
§ 2º – Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)
VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;
[3]
Trecho do voto do min. Eros Grau no MI 712, do STF: ?53. Isto posto, a norma, na amplitude que a ela deve ser conferida no âmbito do presente mandado de injunção, compreende conjunto integrado pelos artigos 1º ao 9º, 14, 15 e 17 da Lei n. 7.783/89, com as alterações necessárias ao atendimento das peculiaridades da greve nos serviços públicos, que introduzo no art. 3º e seu parágrafo único, no art. 4º, no parágrafo único do art. 7º, no art. 9º e seu parágrafo único e no art. 14.?
[4]
LEI 7783/89: ?Art. 13 Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.?
[5]
Para a Lei 7.783/89: ?Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: I – tratamento e abastecimento de água; produção distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II – assistência médica e hospitalar; III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV – funerários; V – transporte coletivo; VI – captação e tratamento de esgoto e lixo; VII – telecomunicações; VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais; X – controle de tráfego aéreo; XI compensação bancária. Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.?
[6]
Extrai-se da ementa do acórdão proferido no MI 712: ?12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura.?.