BRASÍLIA e RIO. Pelo menos dois ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) têm restrições à decisão do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) que determinou o horário de funcionamento dos tribunais brasileiros para
atendimento ao público. Na opinião de Março Aurélio Mello e Ricardo
Lewandowski, os tribunais devem ter autonomia administrativa e financeira.
Semana retrasada, o CNJ estabeleceu expediente de 9h às 18h,
sem intervalos, nos tribunais de todo o país. Na última terça-feira, sob
pressão de presidentes de tribunais e servidores, o órgão recuou e liberou o
intervalo de almoço para “respeitar costumes locais”. Depois da
primeira decisão, juízes reclamaram que em estados da Região Nordeste havia o
hábito da sesta após o almoço, em função do calor excessivo. Mesmo com a
flexibilização da regra imposta pelo CNJ, porém, os ministros do STF criticaram:
– Eu fico perplexo. Tem-se na Constituição a autonomia
administrativa e financeira dos tribunais. Desautorizar os tribunais no campo
administrativo é enfraquecer esse ramo da administração responsável pela paz
social – disse Março Aurélio, que considera importante o respeito pelos costumes
locais: – O Brasil é um país continental. Há de se atender às peculiaridades.
Creio que há coisas muito mais importantes para o conselho se preocupar.
O ministro Ricardo Lewandowski lembrou-se de ter dado uma
liminar em caso semelhante. Em agosto de 2007, ele suspendeu a decisão do CNJ
que fixou o horário de funcionamento do Tribunal de Justiça de Sergipe, de 7h
às 13h. Na ocasião, ele citou o artigo 96 da Constituição Federal, que permite
aos tribunais o direito de definir seu próprio funcionamento. Ontem, o ministro
não quis comentar a decisão recente do CNJ. Como cabe recurso ao STF,
Lewandowski não quis adiantar sua posição no eventual julgamento. Mas lembrou:
– A Constituição estabelece com muita clareza que os
tribunais têm autonomia – afirmou.
CNJ libera intervalo de almoço
O presidente do Colégio Permanente dos Presidentes dos
Tribunais de Justiça, desembargador Marcus Faver, disse ontem que, mesmo com o
recuo do CNJ em relação à resolução que regula o expediente no Judiciário,
permitindo agora um intervalo para o almoço “em razão da insuficiência de
recursos humanos e de costumes locais”, mantém a posição de arguir a
inconstitucionalidade da medida. Ele apresentará essa proposta aos presidentes
dos tribunais em encontro no dia 12 de maio, na Bahia. Para ele, o CNJ não tem
poderes para fixar horários:
– A nova decisão do Conselho Nacional de Justiça, alterando
a resolução 88/2009, adotou exatamente o que eu pregava, e nada tem a ver com o
horário de trabalho de juízes, mas sim de funcionários dos tribunais. A decisão
anterior do CNJ era uma imposição manifestamente inconstitucional, porque não
respeitava o disposto no artigo 96 da Constituição, que atribui competência
privativa dos tribunais para fixar o horário de seu funcionamento e dos respectivos
órgãos. E em alguns estados, como Amazonas, Piauí, Acre, Rondônia e outros,
onde o calor é intenso, tudo para de funcionar entre 12h e 15h.
Faver argumentou que, nesses estados, os tribunais começam o
expediente às 7h, interrompem as atividades às 12h e as retomam após às 15h,
quando a temperatura cai.
– Fico satisfeito que o CNJ tenha respeitado a Constituição
e as peculiaridades regionais. Reitero que isso nada tem a ver com os juízes,
que atendem as partes nos tribunais, mas estudam os processos e redigem as
sentenças e acórdãos geralmente quando estão em casa, fora do expediente.
Fonte: O GLOBO