Com a chegada de Luiz Fux ao Supremo Tribunal Federal nesta
quinta-feira (03), a Corte restabelece sua composição original, com 11
integrantes. O novo ministro tem 57 anos e um espírito que se mostra inovador.
Ao comentar a demora na indicação de um nome para ocupar a vaga deixada por
Eros Grau, Fux diz que o integrante ?faz falta naquelas questões em que não há
consenso, que são decididas por uma maioria que não tem aquela
representatividade que o próprio Supremo gostaria?.
Em entrevista concedida aos jornalistas Eumano Silva e
Marcelo Rocha, da revista Época, Fux falou sobre Ficha Limpa, cotas raciais e
Cesare Battisti. ?No caso Battisti, foi julgada a extradição e foram analisados
os requisitos constitucionais. Agora, é preciso saber se essa verificação dos
requisitos constitucionais é suficiente para efetivar a extradição?, disse.
Ele também falou sobre o foro privilegiado. ?Sob um ângulo
institucional, é mais razoável que um senador da República, um deputado
federal, um presidente da República respondam perante a Corte Suprema. É
adequado porque deriva da harmonia entre os poderes. Se analisarmos sob o ângulo
das oportunidades de defesa, a prerrogativa de foro é de certo modo prejudicial
a esses homens públicos?.
Leia a entrevista concedida pelo ministro Luiz Fux à revista
Época:
O que é possível
melhorar na Justiça brasileira?
Já superamos a barreira do custo. Os processos no Brasil
eram muito caros, mas hoje temos um sistema de gratuidade que atende muito bem
a população. Agora, é preciso melhorar o tempo de duração dos processos. Temos
muitas ações porque, em nosso sistema, vigora o princípio de que nenhuma lesão
ou ameaça a direito deve escapar de apreciação da Justiça. Em diversos países,
você só recorre à Justiça depois de esgotar diversas instâncias,
administrativas ou de conciliação. Aqui não. A conciliação é dentro do juízo.
Quais as conseqüências
desse funcionamento da Justiça?
Temos 1 milhão de ações de titulares de caderneta de
poupança. Isso vai produzir 1 milhão de recursos. Não há tribunal no mundo que
possa julgar rápido 1 milhão de recursos. O sistema brasileiro é prenhe de
recursos. Os tribunais europeus têm 3 mil recursos. Nos Estados Unidos, a
Suprema Corte tem 90 recursos. Nós temos 250 mil.
Há outros problemas?
Sim, os processos são muito formais e contemplam muitas
etapas. Não acaba logo porque você ouve o autor, ouve o réu, ouve o autor de
novo, mais uma vez o réu, marca audiência, junta documento. Junta tudo isso com
recursos demais e grande número de ações e cria-se um quadro que conspira a
favor da demora do processo.
A Constituição é
responsável por esse quadro?
Não, o problema é infraconstitucional. Estamos consertando
isso no novo Código do Processo Civil [projeto aprovado no Senado e, agora, em
análise na Câmara], com uma mentalidade diferente. Vamos eliminar esse
contencioso de 1 milhão de ações com a criação de um instrumento que vai
permitir a escolha de um caso líder, que vai servir de referência para todos os
outros e tramitará por todas as instâncias até o Supremo Tribunal Federal num
prazo de um ano e meio. Obtida a solução no Supremo, ela se aplicará a todos
esses milhares de ações que tramitam no Judiciário brasileiro. Não caberão
recursos.
O que o senhor acha
da figura do foro privilegiado para governantes e parlamentares?
Sob um ângulo institucional, é mais razoável que um senador
da República, um deputado federal, um presidente da República respondam perante
a Corte Suprema. É adequado porque deriva da harmonia entre os poderes. Se
analisarmos sob o ângulo das oportunidades de defesa, a prerrogativa de foro é
de certo modo prejudicial a esses homens públicos. O recurso dá a possibilidade
de reapurar e de verificar se houve erro. Enquanto todo cidadão comum se
submete a várias esferas de jurisdição, eles não têm essa chance. Não podemos
imaginar que, por maior que seja o cargo ocupado, você não possa eventualmente
cometer um erro.
Mas isso não
sobrecarrega ainda mais o Supremo?
A premissa na qual devemos nos basear é que estamos tratando
de homens públicos. Numa República, um homem público zela pela coisa pública.
Então, a premissa é que o Supremo Tribunal Federal seja excepcionalmente
instado a julgar políticos. É bem excepcional mesmo.
O Supremo está
desfalcado desde agosto do ano passado. Que falta faz o 11º integrante?
Ele faz falta naquelas questões em que não há consenso, que
são decididas por uma maioria que não tem aquela representatividade que o
próprio Supremo gostaria.
O senhor se refere
aos casos da Lei da Ficha Limpa e da extradição do italiano Cesare Battisti?
Há uns 50 casos de repercussão geral, que interessam ao
Brasil inteiro, que merecem que o STF tenha composição completa, ainda que os
11 julguem no mesmo sentido. No caso Battisti, foi julgada a extradição e foram
analisados os requisitos constitucionais [não é brasileiro nato, não é
brasileiro naturalizado, não é crime político]. Agora, é preciso saber se essa
verificação dos requisitos constitucionais é suficiente para efetivar a
extradição. Ou quem efetiva a extradição é o chefe do Executivo? O Supremo vai
dizer, agora, se foi afrontado em sua decisão de autorizar a extradição ou se o
presidente do país poderia decidir. Essa é uma matéria novíssima para mim.
O senhor já está se
preparando?
Sim. De preferência, vou entrar colocando processo em pauta.
Eu já estive no Supremo, conversei com todos, pedi para que me mandem tudo o
que estiver lá pendente.
Como vai agir no
plenário?
No plenário, vou ver o que tem. Se tiver um caso desses, o
Battisti, por exemplo, na semana seguinte a minha posse, estarei preparado para
julgar. Não tem problema ser o primeiro voto. Assim, já acostuma. No Supremo, o
mais novo traz novos valores. Não tenho direito a sentir frio na barriga. Faço
isso há 30 anos. Se não souber fazer isso, o que estou fazendo aqui na
magistratura?
O senhor mencionou 50
casos importantes. Pode citar exemplos?
Sim. Tem a obrigatoriedade no fornecimento de remédios, a
base de cálculo do ICMS e da Cofins. Tem também cotas raciais, união
homoafetiva, feto anencefálico e a ?desaposentação? [quando alguém que já se
aposentou e começa a trabalhar novamente quer receber a diferença dos
proventos].
E o senhor já tem
buscado informações sobre esses casos? Como estão os preparativos?
Gosto de fazer um manual [de procedimentos] para o gabinete.
Todos têm de conhecer bem o regimento interno da Casa e as jurisprudências.
O senhor gosta da
transmissão ao vivo dos julgamentos?
A coisa está posta. Não tem de gostar ou não gostar. Tem um
lado bom: a transparência. A população gosta da TV Justiça. Muitos leigos vêem.
No julgamento da Lei da Ficha Limpa, não houve demora da
Justiça em apreciar o assunto, que contribuiu para a instabilidade jurídica
durante as eleições?
Não tenho como responder, porque não tenho uma ideia de
quando isso foi suscitado na Justiça. Foi suscitado no momento oportuno no TSE
[Tribunal Superior Eleitoral]. Mas, para sair do TSE para o Supremo, não foi
tão oportuno assim. O Supremo só foi provocado na boca da eleição.
Foi um erro da
Justiça?
Sim, houve erro da Justiça. Às vezes, há vícios no processo,
como o fato de o sujeito não ter sido ouvido. Isso é um vício que escapa à
razoabilidade. A jurisprudência do STF diz que só se pode punir por improbidade
administrativa quando há intenção de fraudar a lei.
Sua indicação para o
STF foi vista como um possível sopro de modernização no Tribunal, por sua
abordagem mais moderna de temas complicados. O que o senhor acha disso?
Entendo que os Tribunais têm de ter todos os sopros. O
Vargas Llosa diz assim: existem soluções que são de direita e existem soluções
que são de esquerda. No Direito, é a mesma coisa. Existem decisões que têm de
ser legalistas, têm de obedecer à letra fria da lei. E outras que têm de ser de
acordo com a época. Por exemplo, um grande valor hoje é a dignidade humana, que
passa por vários conceitos, como autodeterminação, autossuficiência, saúde,
educação, segurança, valorização do trabalho humano, a livre-iniciativa, a
concorrência leal.
O senhor acha que a
Justiça está dando uma resposta na devida medida e rapidez em relação a temas
como união civil de pessoas do mesmo sexo?
Sem nenhuma crítica a qualquer outra composição, hoje o Supremo
está sendo desafiado para as grandes questões, como os direitos civis dos
homossexuais. Ninguém pode ser tratado desigualmente em razão de sua crença, de
sua origem, de seu sexo. Os homossexuais têm todos os deveres e querem também
seus direitos. Discriminar uma pessoa só pela opção sexual que ela fez? São
grandes questões, e a composição do Supremo é magnífica para tomar decisões
sobre elas.
Por quê?
O Supremo hoje tem vários vetores. Tem os ministros
clássicos, como Marco Aurélio e Celso de Mello. Tem a ministra Cármen Lúcia com
sua visão constitucional bem ampla. O ministro Joaquim Barbosa tem uma formação
multidisciplinar. Posso falar também da sensibilidade do ministro Ayres Britto
e da experiência e da sensibilidade da ministra Ellen Gracie. O ministro
Ricardo Lewandowiski tem grande experiência em Direito Internacional. O
ministro Gilmar é um grande constitucionalista. Finalmente, o ministro Dias Tóffoli,
apesar de jovem, é um homem com uma visão de Estado magnífica.
O senhor é o primeiro
judeu no Supremo. Qual é a importância desse fato?
Para a comunidade judaica, tem uma importância grande,
porque é uma comunidade pequena. Para mim, é o mínimo que posso fazer por meu
país. O Brasil é um país pluriétnico, um país plural que recebeu meu pai (Mendel
Wolf Fux nasceu na Romênia), um exilado de guerra, meu avô e minha avó. O país
deu condições de a gente formar família. É o berço dos meus filhos. Eu digo o
seguinte: o que é bom para o Brasil é bom para mim.
Sua posição favorável
às cotas raciais decorre dessa sua compreensão sobre o Brasil ser um país
pluriétnico?
Não posso falar (o sistema de cotas está sendo julgado pelo
STF), mas já fiz várias palestras sobre isso. Não vou negar que já disse ser
favorável às cotas, mas vamos ver como está à ótica do Supremo, porque os
Tribunais Superiores têm de transmitir segurança jurídica. Não adianta um
resultado todo desconforme.
Como no caso da Ficha
Limpa…
É importante transmitir segurança jurídica, firmar uma
jurisprudência para todo mundo seguir. Isso é importante, porque torna (a
realidade) previsível. Todo ser humano precisa de previsibilidade para
organizar sua vida.
Fonte: Fenassojaf