Justiç@:
O que o senhor pode adiantar sobre as negociações do Plano de Carreira dos Servidores do Poder Judiciário? Em que pé estão, exatamente, esses entendimentos?
Alcides Diniz:O Plano de Carreira, e isso não é novidade para ninguém, foi objeto de um encontro do ministro Cezar Peluso com o presidente da República, depois de alguns contatos prévios com o ministro Paulo Bernardo, e também de algumas reuniões técnicas com o Secretário Executivo e a equipe de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento.
E, no final, o entendimento foi no sentido de não ser exigida a vigência do reajuste para o exercício de 2010, diante das alegações do governo sobre as dificuldades orçamentárias para atender ao impacto da demanda ainda neste exercício financeiro. Isto é, o STF deixou claro que a previsão de implantação do Plano estava projetada para o próximo ano.
Isso encerrou, de modo definitivo, toda a discussão em torno da inviabilidade do projeto por falta de adequação orçamentária e financeira. Segundo o ministro Peluso, houve um compromisso do presidente da República no sentido de encaminhar a aprovação do projeto junto ao Legislativo a partir da finalização das eleições, de modo que o ministro Peluso, ao negociar essa aprovação, em face das dificuldades orçamentárias alegadas pelo governo, amarrou um parcelamento dos efeitos financeiros do Plano de Carreira só a partir de janeiro de 2011.
Justiç@:Essa é exatamente a nossa segunda pergunta. Como vai se processar a implantação desse Plano?
Alcides Diniz: O presidente do Supremo Tribunal Federal oficializou o parcelamento do impacto do plano em quatro semestrais, a partir de janeiro de 2011, mediante ofício encaminhado ao ministro Paulo Bernardo, e também por meio de ofício meu, enviado à Secretária de Orçamento Federal, Dra. Célia Corrêa. Tais ofícios pediam, ao mesmo tempo, a inclusão desses parcelamentos no Anexo V das leis orçamentárias respectivas. Esse Anexo V, tradicionalmente, é elaborado pelo Poder Executivo a partir da projeção de gastos previstos em projetos de lei com a reestruturação de quadros, ajustes de tabelas de remuneração, além de despesas futuras com nomeações e progressões funcionais nos diversos órgãos públicos.
O prazo que tínhamos para encaminhar a proposta era 13 de agosto, e foi cumprido, rigorosamente; solicitamos a inclusão dos recursos no Anexo V, e o governo tinha prazo até 31 de agosto para encaminhar ao Congresso Nacional o projeto de lei orçamentária com a inclusão do impacto do PL 6613/2009 no Anexo V. Em todos os contatos pessoais que mantivemos com o Ministério do Planejamento, nesse interregno, reiteramos o pedido de inclusão das parcelas no Anexo V, até para não deixar dúvidas quanto à possibilidade de aprovação do projeto e como forma de tranquilizar a categoria, que está vindo de uma paralisação que trouxe muitos transtornos e prejuízos para os jurisdicionados.
O governo vem reiterando que vai cumprir sua parte no acordo feito, mas que prefere incluir esses recursos no Anexo V por meio de emenda ao PLOA no Congresso Nacional. Essa última posição me foi passada, de forma repetida, pela drª Célia Corrêa, ou seja, pela própria Secretária de Orçamento Federal, em todos os contatos que com ela mantive.
Como, efetivamente, o governo decidiu fechar o Anexo V sem a inclusão desses recursos, estamos confiantes na afirmação do governo de que, encerradas as eleições, vai retomar a questão com o Supremo Tribunal Federal, junto ao Congresso Nacional, negociando a inclusão do plano no orçamento do Judiciário no ano que vem. Concretamente, o governo ainda não nos deu retorno efetivo sobre se aceita ou não esse parcelamento em quatro vezes, mas nossa proposta e a disposição do ministro Peluso é a de considerar esse número como o limite máximo para o parcelamento.
Justiç@:No meio do caminho, abriu-se de repente uma discussão, com um grupo de novos servidores defendendo a aplicação de um subsídio, em vez da tabela enviada com as planilhas do Plano. Qual a posição do Supremo Tribunal Federal em relação a essa proposta?
Alcides Diniz:A oposição a essa ideia, é bom que se diga, não é uma opinião isolada do Supremo Tribunal Federal, mas de todos os tribunais, a partir de um entendimento entre todos os diretores-gerais, em reunião realizada aqui, e de uma definição dos presidentes dos tribunais, no sentido de que o momento não é oportuno para a adoção de uma política salarial com base em parcela única, isto é, em subsídio.
E quais são as razões que levaram a esse posicionamento? O presidente Cezar Peluso entende, e creio que os presidentes dos demais tribunais também, que essa é uma questão que deveria ser tratada de forma abrangente em todo o serviço público da União. A adoção da política de remuneração por subsídio deveria ser objeto de uma ampla discussão pública, envolvendo os três Poderes, além do Ministério Público e, naturalmente, o Tribunal de Contas da União.
É bom que se destaque que o ministro Peluso não descartou a possibilidade de um grande debate sobre isso, mas ele entende que, de forma isolada, estanque, e em consequência de imposição de grupos ou de setores do próprio governo, não convém a adoção dessa política de remuneração, no momento, tendo em vista os prejuízos que a medida representa, hoje, no Poder Judiciário.
Basta atentar para os seguintes fatos: O Tribunal de Contas da União, em junho do ano passado, fez uma revisão da tabela remuneratória de seus servidores, sem sequer discutir essa questão de subsídio. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal fizeram, recentemente, um ajuste de suas tabelas, via leis sancionadas pelo presidente da República, já no transcurso da discussão do nosso Plano de Carreira, quando não se questionou, absolutamente, se deveria ou não o Legislativo, ou seja, o Congresso Nacional, nas duas Casas, adotar essa política de remuneração por subsídio, como agora deseja o governo em relação apenas ao Judiciário.
O ministro Peluso entende que nosso projeto foi montado a partir de uma ampla discussão com todos os segmentos e setores do Poder, cumprindo a Constituição Federal em relação à iniciativa que nós temos de propô-lo, e, portanto, está dentro de um modelo que deve ser observado, sob pena de ferimento frontal à Carta Magna, não havendo, então, razões para a adoção da parcela única que o governo deseja, que sequer foi aventada no PL 6613/2009.
Em resumo, o entendimento do presidente Peluso e dos tribunais é no sentido de que há necessidade de um ajuste urgente na tabela, até porque a rotatividade no Judiciário hoje é enorme, de vez que nossas remunerações, tanto de nível médio quanto superior, tanto inicial quanto final, estão muito defasadas em relação a outras carreiras de Estado, seja no próprio Executivo, seja no Legislativo, e particularmente, no TCU.
Só para dar uma ideia, a rotatividade hoje no Supremo chega a espantosos 25% das nomeações feitas do concurso vigente. Não se consegue segurar o servidor no Judiciário, e aqui no Supremo essa rotatividade já alcançou essa marca extraordinária. E o que significa isso? Que o órgão está perdendo valores, ou simplesmente está deixando de requisitar valores, ou, ainda, não está conseguindo renovar os seus quadros, o que é sempre importante, e isso, com certeza, vai ter reflexos sobre a qualidade dos serviços prestados à sociedade.
Porque, se pagando mal, a qualidade certamente será menor, e esses servidores então estão indo buscar carreiras mais atrativas, que remunerem melhor os seus quadros, e, com isso, o Judiciário vai-se empobrecendo de valores e de pessoas vocacionadas para seus trabalhos, o que certamente vai influir negativamente no nível dos serviços prestados à nação. Não só perdemos talentos, mas também desperdiçamos vocações.
Justiç@:Então, a posição do Supremo em relação a essa proposta de subsídio é de opor-se a qualquer modificação no projeto que enviou à apreciação do Congresso Nacional?
Alcides Diniz: A questão do subsídio está assim: o governo pressiona, quer porque quer a adoção da parcela única. Há dois parlamentares que fizeram emendas ao projeto propondo isso. O Congresso já nos pediu uma planilha com o impacto dessas emendas, mas a posição do Supremo é que deve ser respeitado o projeto primitivo. A discussão do subsídio está fora do contexto da proposição.
Vamos manter o projeto original, nos moldes em que foi enviado, e um dado interessante merece destaque: a tabela proposta ainda está defasada em relação a muitas carreiras, como, por exemplo, do Fisco, da Controladoria-Geral da União, da Advocacia-Geral da União, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do próprio Tribunal de Contas da União. Ou seja, o Projeto de Lei n. 6.613 foi enviado com a consciência de ainda estar defasado em relação às tabelas remuneratórias de outras carreiras públicas, mas isso foi para viabilizar sua aprovação, diante das alegadas dificuldades orçamentárias, ou seja, para tentar pavimentar sua tramitação sem maiores atropelos ou resistências mais renitentes.
Com relação a essa questão do subsídio, é preciso considerar um detalhe: somos hoje, aproximadamente, 104 mil servidores no Poder Judiciário da União, dos quais cerca de 60% são servidores que possuem vantagens incorporadas no tempo, por força de leis, como é o caso do adicional por tempo de serviço e da parcela denominada ?quintos?, as quais, hoje, em virtude de leis editadas ainda no governo Fernando Henrique, foram extintas e ficaram congeladas, sob a denominação de VPNI ? Vantagens Pessoais Nominalmente Identificadas. A política de subsídios trará prejuízos abissais para esses servidores e, por conseguinte, não poderá ser implantada a ?toque de caixa?, simplesmente pelo desejo do governo ou de parcela muito pequena da categoria, sem um amplo debate sobre suas conseqüências no tempo e os efeitos e desdobramentos que trará a longo prazo para o servidor judiciário.
Ora, a adoção dessa política de remuneração por subsídio, nos moldes do que o governo está pretendendo implantar, não traz nenhuma vantagem para a maioria dos servidores do Poder Judiciário, composto exatamente por esses servidores mais antigos, que tanto contribuíram e ainda contribuem com sua experiência e dedicação para a qualidade da prestação jurisdicional, porque manda absorver todas essas parcelas, o que significa que 60% dos servidores vão ficar sem aumento por tempo indeterminado.
O governo, na verdade, com essa proposta, está pretendendo estabelecer, indevidamente, uma equivalência da nossa carreira com a de gestão governamental do Poder Executivo, e na medida em que não propuser o aumento do subsídio da gestão governamental, vai sempre dizer que não convém dar aumento ou reajustar a tabela do Judiciário, porque isso vai puxar um efeito cascata no âmbito do serviço público, já que haverá uma equiparação, uma paridade entre as carreiras.
Aparentemente, essa política beneficia tão somente aquela parcela de servidores que estão entrando agora para a carreira, já que a remuneração inicial, na proposta do subsídio, fica um pouco maior, mas a longo prazo todos serão igualmente prejudicados. A comissão pró-subsídio, montada em defesa da proposta do governo, argumenta que isso traria maior transparência, evitaria os desmandos que existem hoje, situações de servidores ganhando acima dos próprios magistrados, mas, na verdade, nada há de profundamente irregular no Judiciário da União atualmente em relação à remuneração dos servidores.
O que existe são alguns servidores que, ao longo dos anos, por força de leis, conseguiram incorporações que, somadas aos seus vencimentos, ultrapassam a remuneração de magistrado aos quais são subordinados, e uns poucos o teto constitucional. É bom que se destaque, categoricamente, o fato de que nenhum servidor recebe além do teto, conforme estabelece a CF, pois a parcela excedente é abatida para se adequar a esse teto, como manda a CF. Para se ter uma idéia, aqui no STF apenas um servidor, aposentado, um único, atinge o teto constitucional. Acredito que, nas outras instâncias, esse quadro não deve ser muito diferente, são raríssimos os que estão em situação extraordinária em relação à massa, mesmo porque muitos dos servidores mais antigos, aqueles alcançados pelos benefícios da Lei 1.711 e outras leis específicas, já faleceram.
Portanto, essa alegação de que o subsídio é uma forma de dar transparência, acabar com os abusos e privilégios, simplesmente não se sustenta, porque não há nada escondido. Os casos, poucos, raros, setoriais, que existem foram garantidos por lei ou via judicial. Esse argumento, insustentável, insubsistente, sem fundamento, tem sido, lamentavelmente, defendido por dois parlamentares porque não têm, creio, conhecimento da realidade da estrutura remuneratória do Judiciário da União.
A meu sentir, nessa questão, faltam inteligência e visão de conjunto àqueles que defendem a aplicação do subsídio no Judiciário, porque estão, na verdade, atirando no próprio pé. Você está vendo algum movimento em defesa do subsídio para a Câmara dos Deputados, para o Senado Federal ou para o Tribunal de Contas da União? Por que será que eles não estão brigando por isso? Por que esses mesmos parlamentares que subscrevem emendas ao PL 6613/2009 propondo a adoção da parcela única (subsídio) para Carreira Judiciária não o fizeram em relação aos projetos que reajustaram, recentemente, as tabelas de remuneração da Câmara dos Deputados? Seria o Judiciário diferente do Legislativo? Não seria o caso de esse pessoal fazer-se essa pergunta?
Mas, de concreto, o presidente Peluso está determinado a defender o projeto nos moldes e nas condições do que foi discutido durante um bom tempo dentro do Poder Judiciário, e enviado, após essa ampla discussão e muitos estudos, ao Congresso Nacional. Passadas as eleições ele vai buscar, logo nos primeiros dias, o contato com o presidente Lula, empenhando-se pessoalmente pela aprovação do referido projeto de lei e pela inclusão das verbas necessárias ao pagamento do Plano no Anexo V.
Justiç@:Além da questão salarial, contemplada no Plano de Carreira dos servidores, o Supremo tem alguma pretensão de reestruturar as carreiras do Judiciário, buscar um figurino funcional mais moderno para a Justiça brasileira?
Alcides Diniz: No seio do PL 6613/2009 não há, efetivamente, um avanço nesse sentido. Apenas está sendo previsto um exame da estrutura das funções comissionadas, com vistas a uma eventual redução dessas funções, dentro de uma política mais adequada de valorização delas, dirigindo-as preferencialmente para as atividades gerenciais.
Nesse projeto só existe concretamente isso de novidade, mas o presidente Peluso entende haver necessidade de, uma vez aprovado o PL, sentarmos com os representantes dos tribunais superiores, dos servidores, as entidades de classe, os técnicos dos diversos tribunais, e proceder-se a uma análise do quadro, da estrutura, dos instrumentos de valorização, para reestruturar a carreira judiciária de uma forma mais conveniente e moderna, dando-lhe, inclusive, o que já foi tentado reiteradamente, a condição de carreira de Estado, tendo em vista a singularidade da atividade desenvolvida, que é a prestação jurisdicional.
Ele reconhece isso e deseja, assim que essa lei for sancionada, constituir um grupo de trabalho, convidar os tribunais superiores e demais órgãos do Poder Judiciário para estabelecer um grande debate nacional, de forma bem aberta e transparente, sobre a reestruturação da máquina judiciária e sua modernização.
Justiç@:Isso por que a face do Judiciário está mudando, com a virtualização processual, a dinamização tecnológica, o aprimoramento da legislação processual, a busca de instrumentos para tornar a Justiça mais eficiente e dinâmica?
Alcides Diniz: A realidade do Judiciário exige isso. A virtualização impõe medidas para modernizar o próprio quadro de pessoal, adequando-o a essa nova realidade, até porque a tecnologia hoje está presente em tudo. E os novos instrumentos jurídicos oferecidos, principalmente pela reforma do Poder Judiciário, em dezembro de 2004, constituem novidades importantes, institutos relevantes que estão sendo aplicados de forma mais evidente, sobretudo no STF, e que estão inclusive impactando o Judiciário em termos de redução da própria sobrecarga de processos.
É o caso da repercussão geral e o caso da súmula vinculante, aqui no STF. Também é o caso do recurso repetitivo, no STJ. São todos instrumentos que se mostram altamente eficientes e eficazes nesse propósito de reduzir drasticamente a demanda processual e oferecer mais qualidade na prestação jurisdicional. É interessante constatar, por exemplo, que aqui mesmo, no Supremo, nos últimos dois anos, tivemos uma redução de 60% na distribuição, graças à aplicação dos institutos jurídicos da repercussão geral e da súmula vinculante. E é bastante provável que esse fenômeno esteja acontecendo também em outras instâncias.
Na medida em que se edita uma Súmula ou se verifica a repercussão geral de uma matéria, tal medida estanca os processos na origem, evitando que subam, pois ficam sobrestados aguardando a decisão. O STF examina dois ou três casos, manda reter na origem ou sobresta os que já estão aqui sobre o tema, e quando profere a decisão, devolve à origem os processos pertinentes e aqueles que ficaram retidos em outras instâncias são decididos com base no entendimento fixado pelo STF ou pelo STJ, conforme o caso.
Portanto, a estruturação do quadro de pessoal do Judiciário brasileiro deve adequar-se a esses novos tempos, esse novo momento vivido pela Justiça, aproveitando a oportunidade para modernizar-se e garantir uma prestação jurisdicional mais consentânea com o que espera a sociedade. E para isso é evidente a necessidade de redesenhar a estrutura da máquina judiciária.
Fonte: Revista Justiça por Viriato Gaspar