O Judiciário decidiu apertar os critérios na hora de abrir novas vagas para magistrados e servidores. O choque de realidade vem sendo aplicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao analisar os sempre numerosos pedidos de reforço no quadro de pessoal enviados pelos tribunais. Com os sucessivos cortes promovidos pelo órgão, a expansão da Justiça esbarra agora em uma espécie de muro. No Executivo, Poder da República que mais contrata, esse papel cabe ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
As restrições criadas pelo CNJ têm como objetivo racionalizar a folha de pagamento dos funcionários. A preocupação com os gastos não é à toa. Só em 2008, os cofres públicos desembolsaram R$ 33,5 bilhões para manter a máquina do Judiciário de pé. Desse total, 92,2% foram destinados às despesas com servidores. Às vésperas da concessão de um reajuste médio de 56%, o comprometimento das receitas dos tribunais federais com o pagamento de salários deverá se agravar ainda mais a partir de 2011. O aumento que beneficiará os cerca de 100 mil empregados da Justiça Federal custará pelo menos R$ 7 bilhões.
Coube ao ministro Gilson Dipp, corregedor nacional de Justiça, apresentar os novos critérios(1) (veja tabela) que serão usados para basear as decisões do Conselho, suficientes para barrar até 70% dos pedidos apresentados por alguns tribunais nos projetos de lei que serão submetidos à aprovação do Congresso Nacional. O freio institucional obrigará o Judiciário a rever estratégias e a planejar melhor as políticas de recursos humanos.
Na hora de pleitear a abertura de varas e a contratação de mais magistrados, analistas e técnicos, os órgãos agora vão ter que justificar a solicitação com estudos econômicos, estatísticas e indicadores sociais. Após a aplicação desses critérios na avaliação dos pedidos apresentados pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, em Goiás, o resultado final foi bastante diferente do que pretendia o tribunal. O Conselho não aprovou nenhuma requisição para a abertura de 729 funções comissionadas. Das 37 novas varas demandadas, apenas 12 foram aceitas. As 103 posições de juiz de trabalho previstas foram reduzidas pelo CNJ a 24. Já os 45 cargos de comissão pleiteados pelo TRT baixaram para 12. O corte na intenção de contratar servidores efetivos foi igualmente radical, com uma redução de 95% das 480 vagas pretendidas, ficando em 22.
Compromissos – Dipp, que é ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), lembra que a Constituição deu ao CNJ a missão de analisar os pedidos de mais vagas considerando o funcionamento do Judiciário como um todo e não apenas as demandas de cada segmento ou tribunal. Essa é uma tarefa espinhosa em se tratando de um setor onde impera a lógica do quanto mais, melhor. ?Não se resolvem os problemas do Judiciário apenas aumentando o número de varas. Nós, do Judiciário, temos os mesmos compromissos que o Executivo e o Legislativo no que diz respeito à aplicação dos impostos?, resume o ministro.
Para Ramiro Lopez, coordenador-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público (Fenajufe), a disciplina fiscal do CNJ pode resvalar em uma preocupação excessiva com gastos e, ao mesmo tempo, negligenciar as necessidades dos cidadãos. ?A verdade é que a estrutura do Judiciário está aquém do que deveria ser. A proporção de juízes e de servidores do Brasil em relação ao tamanho do território e ao número de habitantes é muito mais baixa do que a dos países europeus?, justifica.
Lopez argumenta que a demanda da população pelos serviços da Justiça ainda é baixa, a despeito dos 70 milhões de processos que tramitaram em 2008 em todos os segmentos do Judiciário. O sindicalista argumenta que pesquisas encomendadas por associações do Judiciário no Rio Grande do Sul revelam que não mais de 10% dos gaúchos recorrem à Justiça. ?No Nordeste, no Centro-Oeste e no Norte, a demanda reprimida é muito maior?, afirma o sindicalista.
A política de austeridade pode fazer o CNJ bater de frente com os interesses dos tribunais, já submetidos à fiscalização e à correição de seus juízes. Em 2008, em uma única sessão, o Conselho determinou a diminuição no número de cargos pleiteados por quatro diferentes Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), o que resultou numa economia anual de R$ 100 milhões aos cofres públicos. A redução mais acentuada ocorreu no TRT da 3ª Região (Minas Gerais), com um corte de 73% nas vagas pretendidas. O tribunal pediu 753, mas só levou 200.
Atendimento – O ministro Gilson Dipp, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), garante que os critérios estabelecidos pelo CNJ estão longe de se pautar somente pelo corte de despesas. ?Não há risco de o cidadão ficar desprotegido ou desatendido. O que queremos é que os pedidos não sejam aleatórios, que priorizem justamente as populações que não recebem o atendimento do Judiciário?, diz. Ele ressalta que a melhoria das rotinas administrativas e os investimentos em tecnologia precisam ser levados em conta, pois reduzem a necessidade de mais servidores.
Fonte: Correio Braziliense por Marcone Gonçalves/Luciano Pires