1) Assim como o feminino de juiz de direito é juíza de direito, não há, em tese, razão alguma para se estranhar que, se a função de oficial de justiça é desempenhada por uma mulher, será ela uma oficiala de justiça, a exemplo de consulesa, coronela, delegada, deputada, generala, marechala, ministra, paraninfa, prefeita, primeira-ministra, sargenta, vereadora.
2) Acrescente-se, por oportuno, que o feminino oficiala é assim apontado, sem outras observações, ressalvas ou reservas, por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.1
3) Também Napoleão Mendes de Almeida, de modo categórico, assevera que esse sempre há de ser o feminino.2
4) Em mesma esteira, posta-se Evanildo Bechara.3
5) Domingos Paschoal Cegalla, sem outros comentários ou ressalvas, dá oficiala como o único “feminino de oficial: oficiala de modista, oficiala da Marinha”.4
6) Cândido de Oliveira, após observar que, até há pouco, a maioria de nomes dessa natureza era considerada comum de dois gêneros, acrescenta textualmente que “é de lei, assim para o funcionalismo federal como estadual, e de acordo com o bom senso gramatical, que nomes designativos de cargos e funções tenham flexão: uma forma para o masculino, outra para o feminino”; e, em seu exemplário, ao masculino oficial contrapõe ele o feminino oficiala.5
7) Silveira Bueno, por um lado, traz antigo ensinamento de J. Silva Correia, diretor da Faculdade de Letras de Lisboa: “Nos últimos tempos têm surgido numerosas formas femininas, que a língua de épocas não distantes desconhecia, – e que são como que o reflexo filológico do progresso masculinístico da mulher, – hoje com franco acesso a carreiras liberais, donde outrora era sistematicamente excluída”.
8) Por outro lado, também aduz tal autor curiosa lição de Lebierre: “Os gramáticos preceituam que os substantivos designativos de certas profissões, a maior parte das vezes exercidas por homens, conservem a forma masculina para a maioria de tais substantivos”.
9) E conclui ele próprio: “Os gramáticos, que defenderam a conservação, no masculino, dos nomes de cargos outrora exercidos por homens e já agora também por senhoras, não tinham razão porque tais nomes são meros adjetivos como escriturário, secretário, deputado, senador, prefeito, podendo concordar com o sexo da pessoa que tal cargo exerce e não com o gênero dos nomes de tais profissões”.
10) E preconiza ele que se diga oficiala, se tal posto é entregue a uma senhora, acrescentando que Camilo Castelo Branco emprega tal forma para designar a costureira de modista.6
11) Para que se avaliem as profundas alterações em tempo exíguo acerca da ascensão profissional da mulher, com a conseqüente necessidade de emprego de novos vocábulos, basta que se veja que, mesmo na segunda metade do século XX, ainda lecionava Artur de Almeida Torres haver “certos femininos que são meramente teóricos, e cujo conhecimento não oferece nenhuma utilidade prática”, acrescentando tal autor que “esses femininos só servem para sobrecarregar inutilmente a memória do estudante”.
12) E, dentre tais substantivos inúteis, elenca ele, por exemplo, capitoa (de capitão), aviatriz (de aviador) e anfitrioa (de anfitrião).7
13) Cândido Jucá Filho, por sua vez, muito embora sem indicar preferência nem prestar outros esclarecimentos, ressalta que o uso de oficiala às vezes é irônico.8
14) Édison de Oliveira insere tal palavra entre aqueles diversos vocábulos femininos terminados por a, que o povo evita usar, “quer em virtude de preconceito de que se trata de funções ou características próprias do homem, quer por considerá-los mal sonoros ou exóticos”, acrescentando, ademais, que se hão de empregar tais femininos, “que a gramática já ratificou definitivamente”.9
15) Geraldo Amaral Arruda, por sua vez, inclui o mencionado substantivo entre os comuns de dois gêneros, mandando que sua variação se dê pela simples alteração do artigo (o oficial e a oficial).10
16) Em outra passagem, o mesmo autor obtempera que “melhor é a forma oficial tanto no masculino como no feminino”, justificando que na linguagem culta são muitos os substantivos com essa terminação que “variam no gênero com a simples mudança do artigo e do adjetivo que os modifiquem”.
17) Acrescenta ele que adjetivos dessa natureza – de segunda classe – em latim, tinham uma mesma forma para o masculino e para o feminino, e, ao se formar o substantivo de tal adjetivo, “surgia um substantivo masculino ou feminino, conforme fosse masculino ou feminino o substantivo suprimido no ato da substantivação”.
18) E conclui que “o mesmo processo perdurou no português”, razão pela qual “também é melhor solução falar o oficial de justiça e, em se tratando de mulher, a oficial de justiça”, sendo oficiala uma “solução inferior”.11
19) Por fim, é interessante anotar que, diferentemente de coronela, generala, marechala e sargenta, não registra o feminino oficiala o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial para dirimir dúvidas acerca da existência ou não de vocábulos em nosso idioma; deixa, contudo, o assunto sem solução, porque registra oficial apenas como masculino (e não comum-de-dois gêneros), sem se manifestar acerca da forma feminina que se há de usar.12
20) Ora, se não é comum-de-dois gêneros, seu feminino não pode ser a oficial, de modo que se há de cair na regra comum de flexão de gênero, formando-se, de modo correto, a oficiala.
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1Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1. ed., 8. reimpressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. p. 992.
2Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 215.
3Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. p. 84.
4Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 294.
5Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961. p. 133.
6Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. vol. 2, p. 382-383.
7Cf. TORRES, Artur de Almeida. Moderna Gramática Expositiva. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1966. p. 59.
8Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME . Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. p. 452.
9Cf. OLIVEIRA, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data. p. 158.
10Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 36-37.
11Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 145-146.
12Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1998. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. p. 199, 366, 477, 536 e 672.
Fonte: http://www.migalhas.com.br/