O oficial de justiça federal Carlos Eduardo Tacla, do TRT da 9ª região, ao cumprir uma diligência em um restaurante no Paraná, passou por momentos de puro terror na mão de sequestradores, no último dia 23 de março. Veja abaixo o relato do colega que está vivo graças a sua frieza, ao seu bom senso e à sorte.
?Será que alguém ainda arrisca dizer que nosso trabalho é fácil, ou que ganhamos muito pelo que fazemos? A luta é justa por melhorias, por um salário condizente e proporcional ao nível das nossas dificuldades, que são muitas, ou podem ser ainda maiores pela narrativa abaixo:
Estava finalizando mais um dia penoso de trabalho, onde cumpri várias penhoras na boca de caixa, no último dia 23.03, por volta das 19:30 h, semana de plantão, no CIVITA TRATORIA, uma casa de massas que fechou, na Av. Manoel Ribas. Procurava por melhores referências para melhor relatar a diligência, já que o estabelecimento fechou, tratava-se de um serviço
passado no plantão.
Satisfiz-me quando percebi uma luzinha acesa, pois poderia cumprir meu trabalho. A porta principal estava fechada, porém a porta lateral estava aberta. Ao adentrar, tomei-me de violento susto, nesta entrada lateral, quando um jovem alto(mais de 1,85 m) e magro, mas forte, apontou um enorme revólver sobre a minha cabeça e começou a girar o cano, engatilhado, já pronto para atirar:
– Calma, não sou um ladrão, sou apenas um Oficial de Justiça, vim aqui cumprir o mandado neste estabelecimento, não atire, tenho família, não estou fazendo nada.
E a recepção foi “magnífica”, respondeu que estava ali fazendo um assalto e que eu me deitasse no chão para não morrer logo, e a seguir, com seu comparsa arrancou todos objetos do meu bolso, e o relógio, e covardemente, mesmo eu rendido, acertou um tremendo chutaço na minha cabeça, daqueles que a gente ter que ser muito forte para não perder a consciência.
Foi ali que entendi o que acontecia, quando vi um senhor urrando, com olhos e boca vendados, tratava-se o proprietário do estabelecimento, muito ferido, rosto ensanguentado, pois levou chutes , coronhadas e foi muito torturado, para confessar onde estava o dinheiro de uma suposta venda do restaurante. O restaurante parecia um frigorífico, com um odor de sangue impressionante, e uma poça de sangue enorme ao lado, pois o proprietário do restaurante depois levou 20 pontos no hospital Quanto mais ele dizia que não tinha dinheiro, mais apanhava. No meu bolso estavam cartão de banco, de crédito, extrato de pagamento recém recebido, identificação profissional, chaves de casa e do carro e o sapato, pois suspeitavam que eu como Oficial de Justiça carregasse uma arma, tudo foi retirado, só sobrou a notificação e uma caneta BIC na minha mão. Pediram minha senha bancária, incluindo as letras.
Depois, vim a saber que se tratava de um sequestro que já vinha da casa deste senhor, que apanhara desde lá, onde sua esposa e um filho ficaram na residência para entregar tudo de interesse aos ladrões, enquanto o marido, concomitantemente, foi levado ao restaurante, pois acreditavam que o dinheiro do negócio estava lá.
Após a minha rendição no salão principal, fomos levados para o piso superior, sob a mira de armas , sob leis militares, como em fila, não olhem para nós – num porão horrível, um cubículo com fios elétricos à solta junto com meu “colega” vítima. Sofremos muita tortura psicológica, do tipo – aproveitem suas últimas horas, – viu o que você vai fazer, não entrega o dinheiro e vai levar o Oficial de Justiça junto (para a morte), o outro senhor levou três tapaços na cara só porque falou algo, ou fez barulho, já que o micro banco que sentou estava se desmanchando.
Depois de estar muito estressado, já que seu comparsa não estava encontrando dinheiro na casa da vítima (onde estavam a mulher e filho menor), o rapaz já estava prometendo nos matar, dizendo que não estava ali para brincar e sim para o tudo ou nada, e que se seu colega não encontrasse dinheiro iria nos executar, falou repetidas vezes, posso não levar dinheiro, mas vocês também morrem. Na verdade, ele mencionava que queria cinquenta mil, que supostamente fariam parte da negociação do restaurante. Mas daí, por um milagre, pelo celular, seu comparsa, lá da outra casa, mencionou que recebera dois mil reais, isto o acalmou um pouco, fazendo-o pensar melhor no que iria fazer. A seguir,chegou seu comparsa da outra casa. Levaram-nos ao banheiro, mandou-nos deitar, parecia que iria nos executar, pois um deles se tratava de um sujeito ríspido e extremamente violento, que não dava chance para a gente falar nada, e que não tinha nada a perder, mas acabou não puxando o gatilho.
Depois, antes de sair, prenderam-nos no escritório e se retiraram, ameaçando-nos para não sairmos antes de uma hora do local, mas arriscamos, e localizamos um extrator de grampos, com muito custo, arrancamos um dos dois suportes da porta, daí ficou mais fácil e eu arrombei a metade faltante. Temerosos, o responsável pelo local explicou que daria para sair pelos fundos. Saímos pelo telhado, pulando como animais, por alturas elevadas, desembocamos num muro de um prédio e dali, não podendo pensar nas consequências, invadimos um apartamento térreo, que estava aberto, e as crianças dali gritaram com medo, quando veio sua avó muito assustada, mas depois acalmou-se e nos encaminhou para a portaria do prédio, onde dali nos auxiliaram e chamaram a polícia para que pudéssemos retornar ao estabelecimento.
Vejam os riscos que corremos na nossa profissão!. Creio que não errei ao entra no local, pois não ouvia barulho algum, tudo parecia calmo, não recebi aviso algum de problema naquele local e tinha que resolver o problema de trabalho, que ainda era urgente, advindo do plantão.
Daí, dentre outras, surgem algumas questões – Será que o uso de arma resolve alguma coisa? Há alguma possibilidade de diminuir os riscos em assaltos em geral? Com relação a assaltos pessoais temos algo a fazer para evitá-los? E depois que ocorrem o que fazer? E em relação a
estabelecimentos que estão sendo assaltados, dá para fazer algo para evitar a entrada? E depois que já entramos, o que fazer para não sofrermos com consequências piores?
Vejam bem, colegas, não estou tratando de casos fantasiosos, mas isto ocorreu comigo, e não desejo para ninguém. Foram três horas de pânico e pavor, não sei como não me mataram, pois o proprietário daquele local foi lá só para abrir para os ladrões, qualquer pessoa entrando lá soaria como inimigo a conter o assalto. Uma vida cativante e feliz a todos, principalmente no trabalho, é o que desejo …?