Servidores públicos federais enfrentam uma onda de adoecimentos psicológicos frente a determinadas declarações e ações do governo federal. Diferentemente do assédio moral, o chamado assédio institucional não está direcionado a indivíduos ou pequenos grupos e já passa a ser alvo de estudo e análise por parte de especialistas em saúde do trabalho, juristas e representantes das categorias.
O comportamento parte do estado como organização, na figura de seus representantes, inclusive os eleitos. O problema acontece nas relações institucionais das organizações e extrapola a dimensão individual e laboral. Ou seja, o assédio não tem como vítima um trabalhador específico, mas se traduz na desvalorização completa de todo o trabalho dos servidores públicos.
“Tem a ver com o constrangimento público que, por exemplo, está em curso na relação entre o Ministério da Economia, representado pelo ministro Paulo Guedes e uma organização como o IBGE, que tem uma vinculação institucional com o Ministério” afirma José Celso Cardoso Junior, da Associação dos Funcionários do Ipea – Afipea.
“Obviamente que tem uma hierarquia, mas isso não autoriza o ministro a desqualificar o trabalho técnico realizado por esse órgão. O próprio ministro da economia e o presidente da república desqualificam, por meio de declarações e entrevistas, os resultados de pesquisas tecnicamente amparadas e internacionalmente reconhecidas. É um assédio de caráter coletivo.” completa.
A Afipea vêm se dedicando a estudar e questionar as diretrizes e os impactos das propostas de reforma do estado. Já há publicações disponíveis nesse sentido, como os livros Desmonte do Estado e Subdesenvolvimento – riscos e desafios para as organizações as políticas públicas federais e Mitos Liberais Acerca do Estado Brasileiro e Bases para um Serviço Público de Qualidade.
José Celso faz parte do grupo que reúne outros estudiosos, além de juristas e representantes de categorias profissionais, para analisar o fenômeno do assédio institucional. Os resultados dessas análises estarão em um livro a ser publicado em março, com o título Erosão de Direitos: reformas neoliberais e assédio institucional.
Celso afirma que a realidade não é pontual e se espalha pelos órgãos públicos. “Existem dois níveis do problema. O assédio institucional organizacional acontece quando o governo desqualifica um órgão público, a exemplo do que tem acontecido com Ibama, Instituto Chico Mendes, Funai, Capes, CNPQ e muitos outros. O segundo nível é derivado desse, e envolve os próprios servidores, que estão sendo diretamente constrangidos no desempenho de suas funções. Um exemplo: o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), responsável por produzir estatísticas de desmatamento, foi desautorizado a continuar produzindo o dado e os servidores foram constrangidos, chamados de subversivos, entre outros termos”.
O representante da Afipea ressalta também que a perversidade desse tipo de assédio é diferente do que é registrado na iniciativa privada. “Você já viu uma organização privada ir a público para falar mal de suas empresas, afiliadas ou de todo o conjunto de seus funcionários? É um caso muito grave porque não só coloca em risco a existência dessas organizações, dessas práticas consolidadas e dessas políticas públicas, como coloca em dúvida a própria idoneidade do servidor”.
Ofensas históricas na gestão Bolsonaro
No caso do governo de Jair Bolsonaro, o comportamento que tem como alvo os servidores é observado desde antes da eleição do capitão reformado.
O pesquisador José Celso Cardoso Junior avalia que a série de ofensas aos servidores, o constrangimento público e a desmoralização das instituições fazem parte da construção de um discurso que tem objetivo definido: destruir a imagem do funcionalismo, abusando de elementos que questionam a competência e a utilidade desses trabalhadores.
“Tudo isso está sendo usado como argumento do governo para justificar uma reforma administrativa que vai acabar com as relações entre estado e sociedade. Vai destruir o estado”.
Segundo o pesquisador, o medo também toma conta da categoria. Diante das ameaças de retaliação, uma censura indireta se espalha pelos órgãos públicos.“As pessoas estão se sentindo desmotivadas para o trabalho, com medo do ambiente de trabalho, porque não podem falar nada fora do script do atual governo, porque logo são identificadas como alguém que precisa ser eliminado”.
José Celso descreve um cenário cada vez mais recorrente e assustador. “A sensação é de que estamos vivendo uma guerra dentro do aparelho do estado em que o objetivo não é conduzir um processo de reorientação estratégica, é um projeto de destruição. Por isso que a gente chama esse governo de fascista, porque o objetivo dele é eliminar o outro. Não é conviver com o outro, é eliminar o outro. Isso está acontecendo dentro da estrutura de estado”.
Leia AQUI a íntegra da reportagem publicada pelo Brasil de Fato
Fonte: Brasil de Fato