Por solicitação do Blog, o juiz federal Roberto Wanderley Nogueira, de Recife, enviou os comentários e as informações abaixo, a partir de consulta de um leitor sobre o post que trata do julgamento, no Supremo Tribunal Federal, de mandado de segurança contra a obrigatoriedade determinada pelo Conselho Nacional de Justiça de cadastramento dos magistrados no sistema Bacen Jud (*).
Eis a consulta do advogado Neder David Martins Abdalla, de São Paulo:
“Seria possível informar o número do ato do CNJ, ou postar um link para seu conteúdo, por gentileza? As posições aqui informadas dos ministros Cezar Peluso e Carmen Lúcia indicam uma interpretação totalmente diferente sobre a imposição/obrigatoriedade da utilização da penhora on-line. Será que o texto da medida do CNJ é tão complexo assim?”
Eis os esclarecimentos do magistrado:
Trata-se de Mandado de Segurança contra os efeitos de Ato Administrativo Regulamentar do Conselho Nacional de Justiça, extraído dos autos do Pedido de Providência nº 2007.10.00.0015818 (determinação para cadastramento compulsório dos Juízes brasileiros com função executiva no Sistema BACEN JUD para realização de ?penhora on-line”)
A contradição aludida é só uma suposição que pode ser medida pelo teor ideológico com que o Conselho Nacional de Justiça vai prosseguindo em uma saga institucional muito além de suas botas. Porém, basicamente seletiva. Enquanto sua concepção de origem é nobre (o controle externo, social e democrático do Poder Judiciário e da Magistratura Nacional), sua implementação vai se revelando, todavia, como o efeito feérico de um velho aparelhamento da máquina do Estado, conforme já se vem observando desde a Administração dos Tribunais.
Basta olhar para o formato de como são compostos os quadros funcionais do Conselho (e os dos Tribunais também, cujas maiorias são eleitas por critérios não criteriosos, ou pela ausência deles, ainda que se diga o contrário). A política, inclusive partidária, é uma coisa que não se descola da Administração Pública no Brasil, inclusive e principalmente da Administração Judiciária, cujos espaços deveriam ser ocupados exclusivamente por pessoal, rotinas e modelos estritamente técnico-jurídicos.
Sobre ter a Ministra Relatora Cármen Lúcia (tinha de ser uma mulher!) anotado bem e com sensibilidade a problemática suscitada na Segurança que impetrei – sem o apoio das Associações de Classe, que não podem enfrentar as cúpulas e nos representam menos do que deveriam- a controvérsia suscitada, sem voto, pelo Presidente do STF na sessão de julgamento em foco teve o propósito de alertar o Plenário para um interesse político subjacente ao qual o sistema espera que os seus agentes repercutam, independentemente de razão jurídica adequada.
Era e é ideológica a manifestação do Ministro Peluso quanto à Ordem que objetiva desmistificar um comando inteiramente inconstitucional, cujo propósito é diminuir a autoridade dos Juízes, atribuindo-lhes sobreexcedências que não dizem com a sua nobilitante função de julgar, de produzir decisões.
Penhora on-line é serviço auxiliar da Justiça e deve, no máximo, ser atribuído ao corpo de serventuários, pois estes é que executam as tarefas auxiliares da Justiça, conforme a Lei e a Teoria do Processo, não sendo o caso de destinação extra-autos de certos comandos judiciais (hipótese do levantamento de ativos do sistema bancário que seus gestores se mostraram enfastiados de proceder e o Governo os tutelou na forma de uma Resolução inteiramente inconstitucional, objeto da Segurança que impetrei).
Em síntese: desejam celeridade dos Juízes e, sob um tal pretexto, a eles comandam, “manu militari”, deveres superabundantes para além dos limites de suas atribuições de competência funcional específica (estabelecida em lei).
E não adianta dizer que a obrigação é simplesmente “cadastrar-se” num sistema ao qual ninguém fez ciência a tempo e modo (Bacen Jud), sem considerar a indução sibilina de que aos Juízes será exigível, por via natural e consequente, recursal inclusive, o papel de realizar essas tais penhoras on-line com todos os riscos dessa empresa.
Todos os dias vemos hackers invadindo os sistemas mais sofisticados do planeta e, particularmente, deste país. Diante dessas agressões, o infeliz Magistrado terá de responder adicionalmente pelos vícios e alcances que tiverem sido constituídos em face dessas invasões às quais não está habilitado para evitar e menos ainda reprimir tecnicamente.
Disso resulta o total desnexo da atribuição que se desejou aplicar, sem lastro e sem legalidade, aos Magistrados que, como nos tempos dos Césares, marchavam à Arena dos Leões dizendo: “Ave, César! Os que vão morrer te saúdam!” Vivemos atavicamente, portanto.
Adicionalmente, o Poder Executivo fica livre de responsabilidades, e dos Leões cesarinos, que lhe vinham sendo determinadas pelo Poder Judiciário. É uma forma de vingança corporativa: a Justiça manda proceder e quem deveria ser obrigado, em face da competência tecnica de que dispõe, devolve a atribuição respectiva para o agente político que emitiu o comando respectivo.
Trata-se de um dislate completo e total! E é isso, guardadas as devidas proporções da linguagem retórica, mas essencialmente similar, que o Ministro Peluso, pelo fato de estar Presidente do CNJ, quis defender, embora quase que inutilmente. Espera-se que o Ministro Lewandowski, que pediu vistas do processo depois disso, faça a coisa certa e atue o Direito, conforme ele está realmente positivado entre nós.
Desse modo, realizar ele mesmo, o Magistrado, atividades auxiliares da Justiça, como se meirinho fosse, e só para satisfazer uma ineficiência do Estado-Executivo, segue-se a diferença não cogitada pelo distinto leitor-consulente, por certo obnubilado pelo esforço do Ministro Peluso em tentar dourar a pílula da alopoiese desse caso. Nenhum Juiz no Brasil foi convocado, desde a investidura e muito antes disso, a realizar uma tal cepa de tarefas.
Ao ensejo do concurso público, aliás, ninguém foi especialmente estimulado a responder sobre como proceder, por exemplo, com atos próprios, diversos das sentenças e despachos, ou à superintendência de todos os demais que aperfeiçoam o processo moderno (“due legal of process”).
Ninguém se torna Magistrado no Brasil tendo que provar saber produzir penhoras, por exemplo. Temos limites, pois, e esses limites devem ser respeitados, porque do contrário tudo vira inconsequência, para dizer o mínimo.
Como Juízes, certamente, podemos ter duas perspectivas de atuação: uma técnico-profissional (referenciada pelo Ordenamento Jurídico), outra militante de variável conjuntural (referenciada pelos humores das lideranças do sistema político).
A impetração defende a primeira abordagem, porque só ela tem conteúdo científico e, portanto, universal.
(*) MANDADO DE SEGURANÇA 27621
Fonte: Blog do Fred, Folha de São Paulo
AOJUS/DF ? TRABALHANDO PELA VALORIZAÇÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA FEDERAL