O ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva decidiu pela permanência de Cesare Battisti no Brasil. Aconteceu no
último dia de 2010. Entretanto, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
Antônio Cezar Peluso, optou por negar, no dia 6 de janeiro, o pedido de soltura
do refugiado político e escritor italiano, e criou uma crise institucional
entre o Judiciário e o Executivo.
Isso porque, mesmo dentro da
complexa lógica jurídica, a decisão de Lula deveria ter sido a derradeira. O
jurista Dalmo de Abreu Dallari explicou de forma didática, em artigo, a
configuração desse “erro” do presidente do STF. Segundo ele, a prisão
de Battisti foi determinada com o caráter de preventiva, devendo perdurar até
que o presidente da República desse a palavra final, concedendo ou negando a
extradição. “Isso acaba de ocorrer, com a decisão de negar atendimento ao
pedido de extradição. Em consequência, a prisão preventiva de Cesare Battisti
perdeu o objeto, não havendo qualquer fundamento jurídico para que ele continue
preso”, pondera.
O senador Eduardo Suplicy
(PT/SP), que acompanha o caso de perto, reforça essa posição. “Não caberia
a qualquer ministro do STF tomar uma decisão única que venha a contradizer o
que o próprio plenário do Supremo assegurou”, critica.
Uma contradição que, segundo a
defesa de Battisti, resvala nos alicerces da soberania nacional. Um dos
advogados do italiano, Luis Eduardo Barroso, criticou com veemência a atitude
de Peluso. Em nota, ele afirma que “a manifestação do Presidente do
Supremo constitui uma espécie de golpe de Estado, disfunção da qual o país
acreditava já ter se libertado”. E conclui que “não está em jogo o
acerto ou desacerto político da decisão do Presidente da República, mas sua
competência para praticá-la”. O que é, segundo Barroso, um “ato de
soberania, praticado pela autoridade constitucionalmente competente, que está
sendo descumprido”.
Outro integrante da defesa de
Battisti, a advogada Renata Saraiva, em entrevista ao Brasil de Fato, confirma
a posição da defesa do italiano, de que a decisão de Peluso afeta não somente o
futuro do refugiado como o do próprio país onde ele se encontra e, desse modo,
pode favorecer o “enfraquecimento da soberania do Brasil em relação ao
resto do mundo”.
Com a decisão de Peluso, volta a
preocupação de Battisti em relação à sua extradição. O integrante da Anistia
Internacional e professor aposentado da Unicamp, Carlos Lungarzo, reforça isso.
“Hoje [10] lançamos uma campanha, junto com alguns consultores parlamentares
para obter o impeachment de Peluso. Não sabemos ainda quando assinaremos a
petição. Se não fosse pela manipulação de Peluso, o STF teria rejeitado a
extradição por 5 a 4, em vez de o oposto. Mas, além disso, Peluso é um perigo
para a democracia, como disseram [Luis Eduardo] Barroso e Tarso [Genro,
ex-ministro da Justiça, hoje governador do Rio Grande do Sul]. Não é um perigo
teórico, mas real”, conclui.
Consenso
Mas se Peluso atacou a
democracia, o consenso negativo tem sido construído em torno da imagem de
Battisti. Condenado à revelia por quatro homicídios cometidos na década de
1970, o ex-militante do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) fugiu da
Itália ainda naquela época. Passou por México, França e ancorou no Brasil, em
2004, onde foi preso em 2007. Atualmente ele se encontra na penitenciária da
Papuda, em Brasília.
O senador Eduardo Suplicy esteve
na Papuda no dia 11 mas, antes de visitar o italiano, fez questão de pontuar os
argumentos que reforçam, segundo ele, o acerto de Lula e reforçam a defesa do
italiano. “Quando se compreende que o julgamento foi feito na sua
ausência, que os documentos utilizados para a designação dos procuradores que o
defenderam foram falseados, que não houve qualquer testemunha a não ser os que
o acusaram utilizando da delação premiada para conseguir a própria liberdade;
então, se compreenderá melhor a decisão do presidente Lula”, enumera.
Lula não foi
“bonzinho”, apenas exerceu suas atribuições como presidente. Além de
respeitar o que fora decidido em votação pelo próprio STF, observou o Tratado
Brasil-Itália, assinado em Roma em outubro de 1989. De acordo com o documento,
proíbe-se a extradição quando existem motivos que apontam para uma possível
perseguição do requerido.
Este também deve permanecer no
país de refúgio, segundo consta o Tratado, quando “tiver sido ou vier a
ser” submetido a um processo sem direito de defesa. Justamente o que
ocorreu com Battisti; ausente do julgamento que o condenou à prisão perpétua.
A extradição também violaria os
direitos humanos do réu devido a condições de brutalidade das prisões italianas
e a não garantiria de proteção ao réu contra perseguições. Em tempo. De acordo
com Carlos Lungarzo, os carcereiros italianos pertencem a uma federação de
sindicatos de alcance nacional que várias vezes declarou seu desejo de
“acertar contas” com o escritor.
Por fim, Peluso determinou que
todos os pedidos relativos ao processo fossem encaminhados para o relator
Gilmar Mendes, que deverá levar o assunto ao plenário do Tribunal em 2 de fevereiro,
data da primeira sessão do ano. Segundo a advogada do escritor italiano, Renata
Saraiva, a defesa estuda o melhor procedimento a ser tomado dentro de um
“momento próprio.”
Documentos
A historiadora, arqueóloga e
romancista francesa Fred Vargas, revelou que as procurações utilizadas pelos
advogados italianos de Battisti, no processo de 1982 até 1990, no qual foi
condenado a prisão perpétua, foram falsificadas.
Segundo o membro da Anistia
Internacional e professor aposentado da Unicamp, Carlos Lungarzo, alguém usou
uma antiga procuração verdadeira de Battisti (que ele tinha dado aos advogados
em 1979), e a calcou sobre duas folhas em branco. O objetivo disto era fingir
que Battisti tinha dado procuração aos advogados. “A falsificação das
procurações fecharam todo caminho para que Battisti pudesse exigir um novo
julgamento da Corte Europeia”, aponta Lungarzo.
Fonte: Jusbrasil