Quase um ano e dois meses depois do CORREIO flagrar a cobrança de propina nos cartórios extra judiciais de Salvador, a escrevente do Tabelionato do 5º Ofício de Notas (Comércio) Maria Rita Santos da Cruz foi demitida ?a bem do serviço público? por improbidade administrativa. O corregedor geral de Justiça Jerônimo dos Santos, que tomou a decisão unânime com mais cinco desembargadores, disse que as provas materiais apresentadas pelo jornal são ?infalíveis?. A decisão cabe recurso.
Em 8 de junho do ano passado, a reportagem denunciou, através de filmagens, o pagamento de ?gratificações? em dinheiro para que funcionários públicos agilizassem a entrega de procurações, certidões e outros documentos nos serviços auxiliares do Judiciário baiano. No dia seguinte à publicação da reportagem, foi instaurado o Processo Administrativo Disciplinar nº 29.441/2009, que culminou na demissão.
Na última segunda-feira,em sessão extraordinária, seis desembargadores do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) decidiram pela aplicação da pena de demissão ?em virtude da cobrança de ?custas por fora??.
A decisão foi publicada na terça, no Diário Oficial do Poder Judiciário. ?Julgou-se procedente a acusação para aplicar à servidora a pena de demissão a bem do serviço público, à unanimidade?.
INTERMEDIÁRIO
Na oportunidade do flagrante, Maria Rita cobrou R$ 50, além dos R$ 12,60 de custas devidas, para agilizar a lavratura de uma procuração. Inicialmente, antes da taxa extra, Rita deu prazo de mais de 30 dias para aprontar tudo. Mas, diante da dificuldade encontrada por dois repórteres do CORREIO, um homem que se apresentou como ?Jonas? disse que poderia ajudá-los. Apresentando-se como oficial de Justiça, serviu de intermediário para o pagamento da propina.
Sem se identificar como jornalistas, os repórteres insistiram que precisavam do documento para o dia seguinte. Nas gravações, Maria Rita se mostra? comovida?coma aflição dos dois. ?É uma emergência??, perguntou a servidora, que disparou em seguida. ?Fica R$ 50. Entrego amanhã?.
Jonas, depois descoberto como um falso oficial de Justiça, também deu o seu preço. ?Custa R$ 30. Rita foi minha colega no fórum. Tudo o que você precisar de cartório a gente faz?: ?O vídeo é uma prova material que fala por si mesma. Essa prova é infalível?, disse ontem o corregedor geral de Justiça Jerônimo dos Santos.
Por três vezes, o CORREIO ligou para o escritório dos advogados Dalvio Jorge e Bruno Pithon, representantes da funcionária, mas eles não se encontravam no local e nem retornaram as ligações para comentar a demissão da cliente ou um possível recurso.
CONCURSADA
Maria Rita era servidora concursada e trabalhava na Justiça havia 21 anos. Ela deixa o cargo sem receber qualquer benefício trabalhista. Ontem, por volta das 14h, ela saiu cabisbaixa do prédio do cartório, carregando uma sacola preta com documentos. Ao ser abordada, Maria disse que iria para um médico e que não passava bem. Ela entrou em um táxi, que deixou o local às pressas.
Segundo uma funcionária do cartório, a colega demitida teria juntado documentos para entregar a um advogado, que vai recorrer da decisão. Ainda segundo a servidora, Maria Rita estava afastada do trabalho há seis meses por problemas de saúde.
Sobre a demissão de Maria Rita, o tabelião Agélio Vieira, responsável pelo cartório, disparou: ?Trabalho em cartório há 42 anos e nunca vi essa caça às bruxas. Nunca vi ela recebendo dinheiro?.
Sindicato e OAB aprovam decisão do TJ
A demissão da funcionária Maria Rita Santos da Cruz repercutiu no meio jurídico. O secretário adjunto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), André Godinho, cobrou a mesma rigidez do Tribunal de Justiça em outros casos.
?Entendemos como positiva toda decisão que vise coibir a obtenção de vantagens indevidas e a moralização. Mas se, diante das provas colhidas, foi justo o afastamento da servidora, esperamos também justiça quando casos semelhantes sejam verificados com outros integrantes do Judiciário?.
O Sindicato dos Serventuários do Poder Judiciário (Sinpojud) se colocou a favor de expulsões em casos comprovados. ?O que nos interessa é um funcionalismo decente. Em casos em que se comprove a culpa do servidor na cobrança de custas por fora, somos a favor da aplicação da lei?, disse a presidente Maria José Silva.
Politécnica é o ?paraíso dos despachantes?
As imagens publicadas há um ano e sete meses também revelaram o esquema de intermediários, os chamados ?despachantes?. Em contato direto com servidores, também aceleram a liberação de documentos com pagamento de taxas extras.
A Fundação Politécnica da Bahia, localizada na Avenida Sete de Setembro, é tida como o paraíso dos despachantes. Na ocasião, a reportagem acompanhou uma usuária, que preferiu não se identificar, na tentativa de conseguir uma certidão negativa de propriedade com valor tabelado de R$ 27,30. Esbarrou na burocracia.
?A gente tá entregando daqui a 15 dias?, disse uma das atendentes do cartório do 3º Ofício. Aí veio a surpresa. Na porta do cartório, um ?despachante? de prenome Jaguaraci garantiu a solução. ?Resolvo hoje ainda. Mas você sabe que vai ter que pagar o pessoal lá dentro pra poder agilizar, né??, condicionou. Com a contribuição de ?Jaguá? e mais R$ 70 por fora, a usuária conseguiu os documentos no dia seguinte, em menos de 24 horas.
Outra funcionária flagrada
O caso da outra funcionária flagrada nas gravações, a subtabeliã Mariêde Correia de Souza, do 10º Tabelionato de Notas, na Barra, chegou a constar na pauta da mesma reunião extraordinária que demitiu Maria Rita. Mas o novo advogado da acusada pediu vista do processo.
Deve voltar à pauta na próxima reunião do Conselho da Magistratura, daqui a 12 dias. Nas filmagens, Mariêde aparece recebendo R$ 40 para também acelerar a elaboração de uma procuração.
A reportagem chegou à funcionária através de denúncias de usuários que indicavam a cobrança entre R$ 40 e R$ 80, além dos oficiais R$ 12,60, para assinar a procuração com agilidade. ?Estamos dando prazo de cinco dias úteis para entrega?, avisaram, inicialmente, os funcionários.
Depois de forçar um contato direto com a subtabeliã, o usuário, que já havia pago a custa cartorária devida, insiste que necessita dos papéis para o dia seguinte. A mulher muda o discurso. ?Aí são os R$ 12,60 e o acréscimo extra, né??.
ESQUEMAS
Os pagamentos são quase sempre feitos através de intermediários. E não só com eles. Corretores de imóveis e advogados, além dos officeboys, se envolvemem esquemas e não denunciam, já que são beneficiados pela agilidade nos serviços.
O anonimato é a maior arma. ?Sei quemsão e quanto faturam ?por fora? cada um deles, mas se te contar não trabalho?, disse um corretor à época da denúncia.
As propinas pagas em cartórios dependem muito do serviço requerido. Quando não são flagrados, é muito difícil comprovar a cobrança de custas por fora por parte de funcionários envolvidos em esquemas.
Fonte: site Além da notícia.